O Rio da Vida
Pequeno conto multimídia: artes, música e vídeo inseridos no texto
O Rio da Vida
Conto multimídia: texto, arte, música e vídeo de Paulo Santoro
A motivação é mesmo uma força poderosa. Sentia em seu íntimo um irresistível sentimento de fazer aquilo, terminar o seu trabalho, e expô-lo a julgamento, à prova, ver se teria adesões, se despertaria interesse.
Mas, era mais que aquilo. Indo mais fundo, os motores daquela motivação toda lhe parecia serem dois: a responsabilidade e a necessidade por fazer mais.
A responsabilidade, sentia-a fortemente presente pela posição de projeção que conquistara entre os seus, em anos de trabalho a fio, entregues com emoção e densidade. Em troca, recebia como contrapartida intensidade e emoção muitas vezes amplificadas, exponencialmente ampliadas, beirando mesmo a idolatria. Tinha cuidado com o que criava, produzia e entregava, pois já atingira de há muito aquela posição em que o que apresentava era consumido de pronto, assimilado e degustado de forma intensa, gerando e influenciando condutas, atitudes e comportamentos – e muitas vezes as sugeria de fato, e com isso realmente as criava junto a seu público – que já era o mundo inteiro.
Felizmente – e talvez por causa disso mesmo – usava seu enorme carisma a influência numa indução construtiva, positiva. Lidava com preocupações, anseios e sentimentos nobres, elevados – e tinha resposta inequívoca de sua audiência. Acertava, cada vez mais e mais profundamente, tinha já um laço extremamente forte com sua plateia, uma sintonia impressionante em perceber sentimentos, identificar angústias, tensões, alegrias e tristezas, decifrá-los e materializar tudo em suas canções. Um sucesso estrondoso.
Já era assim, ainda que em menor amplitude, quando Gablas, jovem no início, trabalhava como Mágico. Já havia uma empatia franca e aberta com o público em seus espetáculos, ele tinha um domínio pleno e total de palco e plateia, mas não tinha a escala e extensão que vivencia agora, planetária. Mas isso lhe trouxe um valioso traquejo de comunicação e compreensão do público, a expectativa e reação da audiência, o que funcionava ou não, o que tinha nexo ou era irrelevante, o que as tocavam ou emocionavam, quais suas expectativas.
Veio de forma até tardia, a mudança, o chamamento para a Música, o encontro de uma sua aptidão natural, pessoal, toda sua, um dom próprio latente mas adormecido. Finalmente desperto, aliada à forma de expressão adequada então encontrada, e assim materializada, trouxeram a ele o veículo de comunicação ideal para atingir as pessoas, ainda que tardiamente desperto. Podia envolvê-las, tocá-las, deixar gravadas em suas lembranças por anos sem conta registros sonoros às suas emoções vividas, alegres e tristes, boas ou não, íntimas ou coletivas.
Suas canções e suas letras, progressivamente criadas a um ritmo cada vez mais rápido, conduziam as pessoas, estimulavam-nas, elevavam-nas. Com elas podia falar a todas, em todos os lugares, era por elas recebidas, e, assim, trocavam ideias. Com o tempo conseguiu um capital pessoal junto à população, no mundo inteiro, precioso: falava, e era compreendido, aceito e seguido.
Tinha então uma responsabilidade em relação a elas, de alertá-las sobre caminhos a seguir, posturas e atitudes a assumir, em benefício de todos, e do bem geral: Gablas era imbuído de sentimentos elevados, nobres mesmo, geradas por benéfica indução de seus pais.
Virou-se para sua mesa, tomou a sequência de músicas que acabara de relacionar num set-list, agora fechado: era seu último trabalho, não canções isoladas, mas uma coleção de músicas pivotadas em torno de um tema comum. Podiam vir a chamá-la de uma ópera, ópera rock, um concerto, um musical pop, não importava, estava mais preocupado com a mensagem a passar, a percepção a aflorar naqueles que atingisse com sua obra, naquele momento crucial vivido por todos.
Olhou sua relação:
O Rio da Vida
1 A vida, como um rio
2 Réveillon
3 Rio da Vida
4 Pubescente
5 De riacho à rio
6 Confluência das águas
7 A vida, como um rio (transição)
8 Contínuo nobre trabalho
9 Afluentes dos rios
10 E a vida flui
11 Sol e Chuva
12 Maturatas
13 Finalmente, o Mar
Percorreu-a com os olhos: como era seu estilo, eram todas variadas, em ritmos e melodias, assim como a sonoridade dos instrumentos que chamava para o trabalho. Apreciava os timbres diversos deles, que reunia com sensibilidade; tinha bom gosto. Casava teclados com cordas, guitarras e baixos, violinos, cellos, por vezes um detalhe de um coral.
Concebera uma analogia entre o Ciclo da Vida, e o Ciclo das Águas, e deu a ela uma expressão musical. Nascimento, infância e adolescência, o crescimento, o ficar adulto, trabalhar, casar e ter filhos, completar-se maduro, viver sua plenitude e caminhar para o findar de sua existência no planeta – havia um paralelo traçado com a trama cíclica das águas, da nascente até sua volta ao mar, onde todas elas retornam, em analogia à experiência humana na Terra.
Repassou mentalmente as músicas, todas prontas – ou quase. Haviam duas por “resolver”.
Isso era importante, acabar, ter tudo pronto e colocar sua obra à execução e uso pleno. E fazia isso exatamente, convergir ao segundo fator de sua profunda motivação: queria fazer mais, achava que devia mais às pessoas, achava que demorara demais em encontrar sua posição própria na vida, sua missão delegada, sua contribuição ao mundo e às pessoas.
Em domínio e conhecimento pleno da ascendência que percebera ter sobre as pessoas, e levado tanto por um instinto pessoal como por uma criação bem ordenada e certeira, sentia uma compulsão por servir ao povo, por doar-se a ele, indicando um caminho melhor em suas vidas.
E que vida complicada e difícil tinham eles, todas as pessoas.
Desde que irrompera aquela guerra, a última guerra havida no planeta – quantos anos atrás, cem? Cento e cincoenta? ... não havia registros, perderam-se todos, com ela – fora um longuíssimo percurso até a população restante reorganizar-se de forma funcional. Reduzida à mesma quantidade de pessoas que existia à Época Medieval, e espalhadas de forma dispersa e desconexa pelos quatro cantos do mundo destruído, levou bem mais de um século para recomeçarem alguma forma de vida organizada e minimamente estruturada; até então a única orientação era a de sobrevivência.
Como a chamavam? “Guerra das Águas”... era isso. Iniciada por conta do brutal desequilíbrio ambiental gerado pela descontrolada expansão do Homem por todo o planeta, que violentava e rompia seguidamente o fino equilíbrio da Natureza indefesa, já provocara desde à época uma degradação ambiental que rompera as condições climáticas milenares, os ciclos regulares das estações.
Incontido, o efeito sobre a agricultura, os ciclos de chuvas e temperaturas adequadas para plantios foram destruídos num efeito de cascata, ou como o popular “efeito dominó” melhor descreveria. Incompetentes para deter a auto-destruição que embalaram por anos, os governos das antigas nações se mostraram impotentes para reverter o processo de queda acentuada da produção de alimentos para suas populações. E falharam mais ainda para levar os países a um consenso mínimo de cooperação e convivência, quando ficou evidente e visível que faltava água potável para suprir as populações de áreas variadas; começou então o processo descontrolado de invasões de áreas com água ainda disponível, depois as invasões de países uns pelos outros, até que algum deles soltou a primeira bomba.
Ou por falta de comando, ou por aberto descontrole de protocolos automáticos de ações de defesa - ou de ataque - o processo francamente beligerante estendeu-se por todas regiões, e o poderio descomunal e desproporcional dos artefatos bélicos descompensou de vez o caos ambiental que o planeta já vivia, lançando-o em rota de colapso absoluto, previsível para os dois três séculos à frente. Uma esfera exaurida e inerte era o que se previa, prevendo-se culminar com seu congelamento irrestrito – o fim da Vida.
Após o século de sobrevivência e início de reorganização mínima experimentada, a palavra de ordem da população sobrevivente restante era a de reunir todos esforços disponíveis para programar intervenções maciças na topologia do planeta ferido de morte. Procurava-se agora influir na retificação dos rios ainda existentes, na ampliação massiva e variada das áreas de plantio a fim de influir na condição climática de cada micro região, a recuperação das áreas florestais, das árvores duramente golpeadas, ambicionando um efeito virtuoso que gerasse novos ciclos climáticos benéficos.
Os últimos cincoenta anos recentes foram consumidos na definição de quais caminhos seriam os mais adequados para alcançar esses objetivos planetários – não havia tempo disponível, muito menos tempo a perder – e, tão importante quanto, quem iria liderar esse processo.
Foi uma longa disputa pela liderança; uma dura e férrea disputa intelectual, no mais alto nível – não havia mais guerras, elas não adiantavam para nada, estava mais que provado. Tudo era preciso ser feito rapidamente, com precisão e eficiência, sem retrabalho, sistematicamente e ordenadamente, em escala global, num programa de recuperação pelos cem, duzentos próximos anos – era o prazo terminal do planeta, o tudo ou nada.
E os recursos mais importantes de que se dispunha, eram sem dúvida, as pessoas. E elas precisavam ser orientadas, estimuladas, conscientizadas da importância de sua contribuição, de seu papel na grande reconstrução, da importância da Natureza: de sua recuperação e equilíbrio, o convívio harmônico de sua fauna e flora, e de seu alimento primordial: as águas.
E era nessa conscientização que Gablas se destacava, com seu instrumento de comunicação arrebatador, efetivo, irresistível: suas canções, letras e músicas. Alcançava a todos.
Não era novidade. Ao longo dos séculos anteriores, artistas e suas mensagens sempre tiveram influência sobre a população, normalmente os jovens eram mais responsivos, e eram sempre o fator de maior energia na transformação de costumes, hábitos e comportamentos.
Agora também não era diferente, apenas Gablas se purgava por crer que demorou demais para encontrar sua vocação, focalizar seu talento nato, recluso, no exercício de reunir o povo na direção correta, necessária aos desafios de seu tempo. Poderia ter colaborado, influenciado desde o início dos Grandes Debates, que forjaram e depuraram longamente os planos de recuperação global ora em curso, e que culminaram com a eleição planetária do líder condutor do processo, denominado o “Primus Cardealis”.
Recuperar o tempo passado, essa era sua motivação agora. E o instrumento de transmissão do caminho a trilhar, sua importância e conscientização, suas músicas, sua rápida dispersão por todos, cantada, transmitida de boca em boca, alcançando todos os lugares. Tinha agora a pretensão de realizar sua obra prima, não uma ou algumas canções dispersas, mas um bloco coeso, de unicidade temática, como uma ópera, um concerto, algo estruturado, começo, meio e fim.
Escolhera a analogia entre a vida comum das pessoas, onde se reconheceriam todas de pronto, identificáveis em seu ciclo natural e o ciclo das águas, elemento fundamental da Vida. Ela também nasce, cresce, gera afluentes, favorece a vida à sua volta, completa seu trabalho e retorna ao mar. Lá inicia novo ciclo, virtuoso, continuamente – não fazemos o mesmo?
Olhou pela janela, olhou o céu ao longe. Estava um dia aberto, claro. Mas poderia em questão de uma hora, por vezes até menos, transformar-se num cinza chumbo assustador, massas de nuvens aterrorizantes prenunciando tempestades arrasadoras, fatais. Em outras ocasiões, como vieram, se dispersavam no mesmo espaço de tempo, retornando à placidez anterior.
A ordenação climática definitivamente se rompera de forma radical, e de uma hora para outra a população poderia se deparar com cataclismas ambientais de proporções monumentais, trombas d’águas, abalos sísmicos, terremotos, quedas brutais de temperatura – viver havia se tornado uma aventura perigosa, e a população vivia sob essa imprevisibilidade, sempre ansiosa por um parente ou amigo distante, ou por alguém que apenas saíra para ir à aldeia próxima. Estariam as estradas ainda lá, seguras? Afundaram, foram soterradas? A pessoa voltaria...?
Suspirou, retomou suas anotações. Não queria demorar mais, percebia claramente um sentido de urgência, sempre presente.
Tinha o trabalho pronto – revisava-o mesmo, há pouco. Porém, coisa de artista, sua sensibilidade não o permitia dar por concluída a tarefa. Duas das músicas voltavam à sua atenção, clamando um arremate final.
Já decidira manter algumas como instrumentais, sem uma letra condutora; a sua expressão musical, emoldurada por seu título seria suficiente para passar a sugestão embutida. Mas ainda duas delas teimavam em questioná-lo sobre isso, à cada audição que fazia, à guisa de revisão, em suas edições finais.
Devia portá-las com uma letra? Ambas? Qual sim, qual não? Eram elas “Confluências das águas” e “Maturatas”. Pegou para resolver isso em definitivo: queria terminar a obra.
Por que o desafiavam? Olhando mais uma vez o conjunto das composições, verificou que sim, tinham as duas, alguma singularidade.
A que chamou de “Confluências das águas” fora criada dentro de uma espacialidade difusa, com uma percussão bem ritmada e um solo encorpado de guitarra tocado em corda única, com efeito de amplificação que lhe conferia um timbre, uma “voz” bem cheia, num efeito muito original. A entrada do teclado, expressivo, ilustra bem a ideia da junção das águas – na antiga língua indígena, a “Pororoca” - encorpando o curso do rio, que cresce avolumado.
Já “Maturatas” nascera bem diversa, dentro de um arranjo mais elaborado, uma orquestração cheia, envolvente. “Confluências das águas” foi mais fácil definir; entendeu que o fluir próprio da melodia conduzia à ideia de evolução, de desdobramento de si mesmo em novas densidades, o curso da Vida que se abre em novos cursos, novas experiências. Gera nova vida; e o curso segue, para sua fase mais madura.
OK, colocar uma letra seria super expor a ideia, apor um apêndice supérfluo, pareceu-lhe. Deu por encerrada a questão instrumental, Confluências das águas ficaria então:
(→click neste link para ouvira música: Confluência das Águas - Pororoca )
Mas, e Maturatas? Tinha, sim, um especial apreço por esta. A história da música marcava a fase onde já se realizou a principal parte de seu ciclo próprio natural, já se estava ancorado na vida, realizações feitas, filhos, desdobramentos de si mesmo, lançados, como afluentes.
Assim como também ocorre com as árvores, que crescem, disputam espaço com as cidades, com os homens, dão seus frutos, abrem seus braços fortes e múltiplos, lançam sementes, geram famílias, geram nova vida, amadurecem. Chegam à fase de apreciar essa mesma vida, privilégio recebido, gozar as coisas postas à sua volta, preparando fechar o ciclo de sua Vida.
Caberia uma letra, em expansão da história musicalmente contada? Acrescentaria vigor, lirismo, força e impacto?
Como a concebera, originalmente? Lembrou-se de quando sentou ao teclado, deixando de lado outros instrumentos que se lhe ofereciam, e num impulso, selecionou as teclas de um sintetizador digital, em combinação que lhe forneciam os sons de instrumentos de trompas e de cordas: elencou o emocionante grave som dos cellos, em conjunto com a potência vibrante do timbre de trompas.
Dedilhou algumas notas e acordes, ouvindo, sentindo o som denso, encorpado. Encaixou uma melodia qualquer, ao léu, testando a sonoridade. Recebeu, em troca, a linha melódica, oscilante, no crescendo que sugeriu às teclas. Retro-alimentado pela audição retornada, deixou fluir livre o mesmo impulso original – agradou-lhe.
Lembrou de gravar a partir dali, daquele momento, a linha melódica que se insinuava interessante. Seguiu então, seguro de que reteria sua sugestão musical; seria mais favorável ao processo de criação ora iniciado do que aquele de parar a cada momento, para registrar a sequência de notas que se encaixavam bem na prova, e seguir de novo, parar outra vez... registrada em gravação, a sequência podia ser extraída posteriormente, para ser documentada em pauta própria. Queria deixar a ideia fluir por si, favorecida e influenciada pela audição fresca, imediata.
Seguiu; escolheu investir na melodia oscilante, em crescentes imponentes, que se desfaziam e retornavam, com personalidade. O som cheio e elegante dos cellos prestava-se bem à tarefa; as trompas o escudavam dom competência. Gravou um trecho longo, livre. Interrompeu-se para ouvir uma vez o conjunto, tentativo.
Humm... tirando um excesso aqui, ali, dando mais espaço a evolução de alguns compassos que restaram um pouco tímidos na breve composição, poderia ter um ganho melódico muito interessante – acionou novamente o botão “gravar”, para um segundo take, mais estruturado.
Não foi a primeira vez que lhe aconteceu. Em outras vezes, o processo de composição era longo e retocado continuamente, interrompido muitas vezes para apagar uma nota na pauta, substituir por outra, e outra... outras ocasiões ainda, repetia várias vezes uma passagem até acertar uma sonoridade que lhe agradasse. Mas já lhe ocorrera isso, por várias vezes: em muitas ocasiões a música vinha-lhe com extrema facilidade, seguia com fluência, parecia que criava-se a si própria, parecia ser ele simples instrumento, servindo a ela mesma, a música que dele saía.
E assim foi. De uma vez só gravou o que considerou ser a base rítmica de uma composição inspirada: estava consistente, era variada, tinha personalidade, o timbre impressivo dos instrumentos escolhidos só favorecia o efeito, conferia-lhe autoridade. Com agrado, ouviu-a três, quatro vezes.
Ao mesmo tempo que identificava correções pontuais, “via” a superposição de outra melodia, em contraste e complementação ao que definiu como base condutora da composição. Voltou ao teclado, ainda em cordas, para o instrumento violino: em faixa paralela, gravou uma linha contínua de solo, casando com a base que ouvia, ora harmonizando, ora cruzando-a. Por vezes deixava-a crescer em conjunto, ora seguindo em amplitudes diversas, em efeitos variados, casados com gosto e sensibilidade.
Diverso da primeira tomada, dessa vez passou os violinos num take único. Agradou-se com o resultado: a base, estruturada, serviu de condução segura para casar uma linha melódica adicional, mais suave e delicada, criando um contraponto de vozes bastante interessante.
De posse da criação original, a sequência de decisões pelas quais tem um criador que passar: primeira: não forçar um segundo solo; assumir como adequado a inspiração direta, numa tomada inicial, única. Mais três audições, segunda decisão: suprimir a parte final atual, pouco inspirada em relação ao todo, dado que a abertura e o fechamento de uma composição são cruciais para sua sustentação, para seu existir, sua vida.
Em seu lugar, repetir na edição definitiva da música, em seu terço final, a sequência de compassos onde se alinham as vozes do cello e violino, em crescendo conjunto, após seguirem caminhos melódicos diversos: sua união potencializa lá a emoção, e cabe ser executado novamente, dando personalidade e caráter à canção. A adição de uma linha de contrabaixo foi mais trabalhosa, a fim de ter presença sutil: levou-lhe quatro takes.
Eram, portanto, apenas quatro instrumentos, incluindo aquela de participação pontual dos pratos, aqui e ali:
(→click neste link, para assistir vídeo e música: Vídeo Maturatas )
(→click neste link para ouvir somente a música: Música Maturatas )
E a decisão final: cabe colocar letra, ilustrando e complementando a composição? Escutou-a várias vezes, deixando-a falar por si, deixando-a tocar-lhe a sensibilidade, aguçar a inspiração. Havia um tema geral, prévio; havia a temática própria, onde Maturatas tinha seu lugar, tinha sua mensagem a passar; toda música tem a sua.
Como se formam as ideias? De onde vem a inspiração, a criação? De uma sugestão, como aquela, olhando pela janela as árvores dobrando-se com delicadeza ao vento suave que passava, no momento de uma das audições? No cruzamento dessa imagem com a menção implícita na história a elas, Árvores, com seu ciclo de vida análoga ao nosso, e com paralelo ao da Águas, núcleo da obra, ora em momento de conclusão? Como se fundem?
Não há regra definida... O fato é que a sugestão casual assim ocorrida persistiu; decidiu Gablas escrever uma letra para Maturatas; porém o fez com parcimônia, versos breves. Queria deixar a música respirar, demonstrar sua personalidade exuberante, apenas adornada das palavras adicionadas:
Maturatas
Andei os rios, Vi as florestas
Corri os mares, Vivi as terras
Vi as nascentes, Gerarem afluentes
Rios crescerem, Lagos formarem
É tudo Vida...
E agora que já Deitei raízes
Gerei meus frutos
Minha época chegou... Maturatas
É tudo meu... Tudo meu...
Mas, sempre criativo, desta vez faria diferente: publicaria uma versão instrumental da música, a divulgaria, e perguntaria a eles, seu público, se gostariam, ou não, de ter uma nova versão, com a letra adicionada. Chamaria a todos a participarem: lhes daria então a sensação de pertencimento à obra.
Percebeu que, ao “resolver” assim a última música, fecharia o álbum completo: a obra terminara. Cabia agora publicá-la, expô-la a seu público, deixar que viva, que cumpra sua missão – “Toda obra é para ser exibida”, sempre dizia a si mesmo.
Queria que logo as pessoas as escutassem, queria tanto passar os conceitos e a importância da correta convivência com o entorno em que vivemos, os cuidados, zelo e atenção com a Natureza na mesma magnitude e urgência com que se tem com os próprios filhos e familiares, como também levar a elas, sofridas, momentos de relaxamento, alegria, talvez elevação – potências que a Música nunca deixou de ter, nunca deixará.
Como sempre, caberá ao público, para quem é a obra ofertada, decidir por seu destino, adesão ou indiferença, emoção ou frieza, tornar-se parte da vida de alguém, ou restar esquecida em algum dispositivo, gaveta, memória.
Animado, pegou o “set-list”, os jogos de partituras, os arquivos com as edições master, as edições finais, para publicação, e saiu para pôr mais um seu filho no mundo.
Ao sair, Gablas sequer reparou que nem fechara a porta...
FIM
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Nota 1-O conto O Rio da Vida / River of Life, seus personagens e contexto, é um spin-off do livro multimídia O Jogo dos Papéis Coloridos (publicado em 2012), que traz 14 músicas e vídeos incluídos no texto.
Nota 2- O álbum digital , com suas 13 faixas - que está de verdade previsto para ser lançado - será entregue nos aplicativos de streaming no dia 11 de abril de 2024, em uma iniciativa cross-over.
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