Peça, darei.
Peça, darei - mas, o que pedir...? Texto, arte e música de Paulo Santoro.
- “Pede o que desejas e eu te darei.”
Marcos 6; 22-23.
Peça; darei.
Não estava atrasado. Era bem cuidadoso com isso; sempre chegava com antecedência suficiente para checar se o projetor e o som estavam funcionando, se as cópias já estavam impressas para serem distribuídas...
Bem, enfim, são os cuidados básicos de quem já fez um sem-número de apresentações para executivos exigentes, e já foi surpreendido várias vezes por falhas tão inesperadas quanto ridículas. Da lâmpada do aparelho de projeção queimada à impressora que engoliu os papéis com os gráficos de vendas, do café servido frio até cadeiras a menos na sala. Microfone em outro andar, “pau” no micro no meio da palestra...
Saído do metrô, já me dirigia à escada rolante que me despejaria na grande praça central, em cujo lado oposto ficava meu escritório – cem metros, talvez, entre os canteiros baixos, nem sempre bem cuidados.
Já àquele horário havia muita concentração de pessoas, algumas atrasadas, apressadas, outras mais relaxadas, caminhando com folga para ocupar seu posto de trabalho. Eram bancários, funcionários de lanchonetes, advogados, professores universitários, balconistas de lojas. E executivos de vários segmentos, cartorários, senhoras religiosas, donos de banca de revistas, estudantes adolescentes, médicos, baixos e gordos, ricos e pobres, bonitos e feios, a cidade acordava, estavam todos lá, alinhados.
O portal de saída do metrô dava bem na calçada onde se devia atravessar a rua, sempre movimentada, para alcançar a grande praça central, de onde se distribuiria aquela miríade de pessoas diferentes, agora todas em linha, perfiladas no meio fio, olhando para o outro lado da rua, esperando o momento para atravessar. Olhei para a fila a meu lado à direita, depois à esquerda, achei engraçado, todos olhando para a frente, batalhão disciplinado, desconhecidos entre si, prontos a marchar. Coisas da cidade grande.
Olhei para o outro lado da rua. Outro batalhão se postava, para vir em direção contrária, para ocupar as trincheiras ora vazias, espalhadas pelos escritórios, lojas, instituições bancárias, cafés e galerias que ficavam da praça em diante, na direção oposta.
Como de lá vinham do terminal de ônibus que chegavam de variados bairros da cidade, eram mais numerosos ainda, e formavam várias fileiras justapostas, aguardando para atravessar. O pequeno movimento natural de balançar um pouco enquanto se aguarda parado permitia fazer ver as fileiras de trás, os rostos das pessoas, por uma fração de segundo, depois sumiam, voltavam a aparecer, e apareciam de novo em posição um pouco alterada, pouco mais para cá, pouco mais para lá.
Enquanto aguardava a travessia, diverti-me um pouco com aquele mosaico horizontal, móvel, de rostos e personalidades. Havia a moça bonitinha, toda arrumada, devia trabalhar em algum escritório elegante, ao lado um padre, rosto preocupado (já há essa hora?), os pecados não deviam folgar nunca..., o senhor de terno escuro com cara de juiz, atrás dele uma senhora, com certeza professora, sumiu agora..., um rapaz de jeans e camiseta ostensivamente tentando jogar conversa para uma morena alta... não está funcionando...
Olhei mais para o fundo da praça, e ao alto: era meu prédio. Hoje seria um dia importante, ao menos para mim e meu projeto de meses. Era o dia da apresentação para toda a diretoria, e eu estava francamente otimista de que iria conseguir obter maioria de votos para conseguir autorização para implantar o projeto, com a liberação das verbas necessárias para sua materialização. Lógico, sempre podia haver algum revés inesperado, um questionamento não previsto, frequentemente para se ganhar tempo, adiar a decisão, fingir que se está sendo cauteloso, quando na verdade se quer fugir da responsabilidade de apoiar uma ideia nova, muito boa – mas com risco associado.
Já tinha visto isso muitas vezes: o conceito é ótimo, o projeto muito consistente, bem estruturado, muito amarrado, o mercado promissor... mas não é 100% garantido de dar certo, pode não dar... E quem assume o risco?
Vivido, estava bem preparado para cobrir a maioria das perguntas prováveis, e municiado para as improváveis – mesmo as absurdas, fora de contexto. Minha equipe trabalhou bem, não queria errar, o projeto implantando alavancaria a carreira de muitos deles, a projeção resultante, promoção, melhores cargos e salários... E claro, para mim também, como diretor daquela área.
Retornei ao batalhão próximo, com quem em breve teria que enfrentar um corpo a corpo de segundos de duração, em rápidos e hábeis movimentos corporais, em desvios milimétricos, ágeis contorções. Olhei para a área baixa dele – pareciam centopeias amontoadas, aquela multidão de pernas. Olhei para cima, pareciam medusas de várias cabeças, lado a lado, um estranho bicho longilíneo, se estendendo pelo comprimento da calçada.
Aquele de azul deveria ser um corretor de ações, operador de pregão: já estava muito agitado, hoje deveria ser um dia de sobe e desce financeiro; atrás, uma moça de cabelo moderninho, ainda sonolenta... sumiu.
Voltamos à primeira fileira: terno bem cortado, cabelo gomalinado, gravata de seda... estereótipo do executivo bem sucedido. Ao lado uma enfermeira, charmosa, deve curar os pacientes só com o porte dela, quando entra nos quartos... deve ser do hospital, mas são várias quadras até lá. O bloco se mexe de novo, revela o casal sessentão de mãos dadas, na segunda fila, por hábito ou por amor sincero? Ei, o dono da barbearia, esse eu conheço, sou cliente há muitos anos...
Fecha e abre de novo, aparecem outros rostos, outras expressões, são outras pessoas. E então o vi, na segunda fila, outro lado da rua. Olhava frontalmente para mim.
Dentre as várias pessoas que passavam por lá, e que eu nunca tinha visto, essa, eu nunca tinha visto mesmo.
Um pouco incomodado, não atravessei. Deixei o meu batalhão de gente avançar, seguir sozinho, fiquei, esperei a próxima leva. Imaginava assim perder o homem de vista, dilui-lo na multidão, sei lá, estratégia boba para uma impressão imprecisa, ingênua. Não que pressentisse perigo, ou alguma situação conflituosa, era apenas estranho, não usual.
Quando clareou de novo a visão, após a massa de gente indo célere de lá pra cá, pude olhar mais uma vez o outro lado: ele continuava lá, na mesma posição, os olhos fixos em mim. Não piscava.
Esperei encher de novo aquela ampulheta de homens e mulheres, encher a calçada de areia humana, até o topo. Do outro lado, o mesmo. O mosaico se movia sempre, no lado oposto, deixando ver na fração de segundo possível, os olhos insistentes.
Seria algum conhecido, pessoa próxima que minha memória me negava informação? Quem seria? Não parecia a moca bonitinha, um padre, o senhor de terno escuro com cara de juiz, uma senhora professora, um rapaz de jeans, uma morena alta, um corretor de ações, um operador de pregão, uma moça de cabelo modernoso, o executivo bem sucedido, uma enfermeira charmosa, o casal sessentão de mãos dadas, o dono da barbearia...
Mudei de estratégia: andei alguns metros para a direita, galgando lateralmente meu batalhão perfilado. Não olhei para o outro lado, fingindo ser um movimento espontâneo, aleatório; ainda olhei à frente, como que a verificar se vinha algum carro, se a rua já ia ficar livre.
Encerrando minha performance, virei de repente para o outro lado, na nova coordenada em que me posicionava agora. Ele estava lá, na segunda fila, diretamente à minha frente, olhando-me.
Resolvi acabar com aquilo, fosse o que fosse. Ao liberar o sinal para a travessia, avancei para o lado contrário, resoluto. De imediato, o homem fez o mesmo, e avançou em minha direção.
Não sei bem porque, talvez por puro reflexo, desviei um pouco da linha reta que tomara, derivando um pouco para o lado. Como ele fez o mesmo, acabamos os dois criando um balé confuso, uma coreografia improvável entre as demais pessoas, que seguiam todas em linha reta, conosco atravessando-os na diagonal, cada um vindo de um lado.
Ao atingirmos a metade da travessia, bem no meio da rua, ele parou à minha frente, sempre os olhos fixos em mim. Parecia de fato, muito sério e concentrado, uma pessoa que trazia algo profundo em si. Diria que portava em si gravidade, tinha um aspecto cerimonioso – não poderia dizer que não era, de alguma forma, impressionante.
Então, me disse ele: - “Peça. Peça, e lhe darei.” Olhava-me fixamente, olhava dentro dos meus olhos – talvez quisesse falar não com meu eu aparente, superficial. Talvez quisesse ter certeza de falar comigo mesmo, a minha pessoa em sua essência plena, profunda, livre de aparências e falsas coberturas ou fachadas que todos vamos acrescentando ao longo da vida, e que vão se tornando cada vez mais espessas e densas.
Impulsionado pelo mesmo movimento com que iniciei minha travessia, desviei-me alguns centímetros dele, e segui meu caminho. Assim, aquela abordagem que a mim foi feita durou breves segundos, o tempo da enigmática frase dita por aquele homem, à qual não dei sequência.
Continuei até o outro lado da rua, apertando um pouco o passo, não ousei olhar para trás, para ver se me seguia.
Extensos metros depois, entrei no meu prédio, sozinho, adentrei o elevador, apertei o botão de meu andar. Aparentemente, o homem ficara para trás, desistira. Que estranha ocorrência! Não dei sequência à conversa brevemente proposta, o que não quer dizer que não dei importância ao fato: o que quereria ele dizer com aquela estranha, incomum abordagem?
Ao abrir a porta do elevador, minha secretária já me recebeu com quatro, cinco relatórios preparatórios para a reunião, a ser iniciada em poucos minutos. Logo a nós se juntaram meus assessores, querendo confirmar algumas hipóteses que seriam usadas, checar alguns números e dados estratégicos, a fim de que minha apresentação fosse a mais impactante e assertiva possível. Já seria então a terceira vez que debateríamos o projeto, e estávamos preparados para ter respostas a qualquer questionamento, dúvida ou provocação que pudesse ser feita, fossem elas reais e pertinentes, fossem falsas ou ardilosas, levantadas apenas para obstruir, postergar ou mesmo derrubar nosso projeto.
E as razões para isso poderiam ser rivalidade, inveja, raramente eram por questões ligadas à qualidade intrínseca da matéria apresentada, ou por real benefício ou defesa da empresa.
E assim foi. Uma longa reunião, onde da metade de sua duração em diante estava-se disputando não as ideias do programa em si, mas, sempre de forma indireta, as novas correlações de poder e de influência que dali resultariam, as novas distribuições de cargos e de áreas a serem incorporadas ou absorvidas.
Parecia um jogo de xadrez: as vezes de forma clara, às vezes dissimuladamente, meus pares mostravam aflição com a possibilidade do Corpo Diretor, Presidente e Vice-Presidentes, apreciarem minhas proposições. Bombardearam-me com vontade – em nome da companhia, é claro.
Enquanto recebia os petardos, ficava observando como as pessoas se fazem ser estranhas. Alguns gerentes que sempre se mostraram neutros ou indiferentes, pontuaram observações interessantes, reconheceram com entusiasmo méritos e avanços que apresentei. Não esperava isso, nunca imaginei que fossem se posicionar com franqueza e lealdade aos fatos demonstrados.
Outros, explicitando competição latente, se esforçaram por diminuir os méritos das teses em discussão, exageraram os riscos potenciais, chegavam a fazer afirmações francamente patéticas, vazias. Antes, apareciam amigas, ofereciam suporte, garantiam apoio. Mesmo sapatos de sola de pregos teriam dificuldades de garantir sustentação em terreno feito tão escorregadio...
Foi, reconheço, estressante ao extremo, mas, se não foi aprovada já nesse momento, ficou evidente que seria sacramentada já na próxima reunião, tão simples para minha equipe as providências que resultaram serem solicitadas a apresentar. Meu time e eu, o grupo, saímos maiores e melhores do que entramos naquela sala. Sucesso.
Com isso, esqueci completamente o evento matinal ocorrido na rua, o rápido encontro com aquele homem, e sua estranha proposta. Entrando satisfeito, e bastante cumprimentado, em minha sala privativa, por algum motivo lembrei-me dele.
Quase automaticamente, cumpri um hábito, espécie de ritual incorporado ao longo dos anos, de ir até a grande janela em frente à minha mesa, que garantia farta iluminação ao ambiente em que eu trabalhava cotidianamente, para olhar a praça embaixo, à frente, uma bela visão das árvores e os caminhos que os passeios de pedras desenhavam no chão.
Lá estava ele, sob uma árvore copada, olhando diretamente para minha janela.
Institivamente, recuei um passo, fugindo da linha de visão dele, como se fosse possível à aquela distância qualquer pessoa ter a clara percepção de quem se aproximasse da centena de janelas que o prédio oferecia, para serem observadas à partir da praça. Além disso, como poderia ele saber exatamente qual era a minha janela, entre tantas?
Dei a volta em minha escrivaninha, sentei-me e procurei me envolver com os afazeres da manhã, que ficaram à espera de deliberações e pareceres a serem encaminhados, por conta da longa reunião anterior. Distraí-me com aquilo.
Pouco depois, começou a chover, ventar forte – tive um impulso de ir ver se a inclemência do clima tinha removido meu observador insistente. Cheguei meio de lado, pela lateral da janela, como se de lá de baixo alguém pudesse ver quem estaria passando pela janela, tão longe assim. Estava lá. O vento, forte, remexia seus cabelos, a árvore protegia-o pouco da aguaceira, mas ele não arredara o pé de ficar observando-me.
Observando-me, ou esperando-me? Afinal, me fizera uma pergunta... Deveria estar à espera da resposta.
Seria possível? Que resposta será que esperava? Aliás, que resposta eu teria para dar? Que meu projeto fosse aprovado?
Não, assunto muito imediato, estava muito no calor do assunto. Além de ser muito pessoal, particular demais. Afinal, já que era para pedir, por que não pedir logo a Presidência da Companhia?
Ri-me, por dentro. Depois parei; lembrei-se de como era séria a expressão do homem – ele realmente não parecia estar brincando. Olhei de novo pela janela.
Lá embaixo, a chuva diminuíra, as pessoas aos poucos começavam a retomar o perímetro da praça, moviam-se de lá para cá. Menos ele. Seguia com o olhar concentrado em minha direção, provavelmente queria um retorno de sua demanda.
Ora, pensei, estava deixando-me impressionar pelo inusitado da situação – não tinha cabimento. Mas... se fosse verdade, o que poderia pedir? Algo grande, já que ele fazia questão de esperar até sob a chuva, não vamos decepcioná-lo com bobagens. Hum... minha esposa não estava reclamando da casa, muita manutenção, sala pequena para receber amigos... por que não uma apartamento confortável, com varanda ampla, uma bela vista da cidade...
Sim, isso, porque um carro importado bonitão acabaria dando alguma rusga com ela – ela diria que era mais um brinquedinho, para usufruto só meu... É de fato, seria egoísmo. Uma oferta generosa assim, mereceria ser melhor planejada – precisaria incluir a família, os filhos.
Uma viagem, despreocupada, lazer para todos? Havia muitos resorts que anunciavam maravilhas, com ocupação e diversão para todos, monitores o tempo todo para as crianças, liberando os casais para curtirem o lugar... muito sol, em contraste com o dia feio, cinza, lá fora.
Epa! Lembrei de novo do homem lá. Foi à janela – incrível, ainda estava lá, esperando.
Será que ia ficar até eu sair do escritório? Estranho, não achei que houvesse algum tipo de perigo, assalto, sequestro – nada disso. Não sentia medo, o homem não me passava nenhum sentimento de preocupação nesse sentido, longe disso. Mas, o que queria então? Ah, lógico, uma resposta à pergunta.
O Caribe, talvez? Olhei para o céu escuro, chuvoso, ele lá fora se molhando, talvez por sua culpa. Senti um pouco de vergonha com o tipo de pensamento que tivera em primeiro lugar, os primeiros pedidos que conseguira imaginar, um pouco de luxúria. Será que não encontraria algo mais nobre, menos egoísta, para pedir?
De fato, não havia sido colocado nenhuma limitação, parâmetro, piso ou teto. E se fosse verdade? Digamos, por um segundo, vamos dizer que o homem tivesse tal prerrogativa, que fosse possível deter um tal poder que materializasse o que eu lhe pedisse. Seria justo pedir algo só para mim, em benefício próprio? Ou para minha família, círculo próximo, exclusivamente?
Seria muita canalhice, queimar o poder concedido àquele senhor, para satisfação íntima, unitária. Percebi uma dificuldade em pensar nos outros – falta de exercício no assunto? Se existisse tal poder disponível, haveria de ser usado para beneficiar muitas pessoas, sem dúvida, seria o correto.
Mas não conseguia definir o que pedir, em forte contraste com o momento anterior, quando estava já a ponto de desenrolar uma longa lista para eu próprio. Não, se fosse verdade, muitas pessoas beneficiadas ainda seria pouco – todo o mundo deveria ser incluído.
Estava indo longe demais com minha fantasia. Por outro lado... a questão colocada era relevante. Como não conseguia pensar em algo mais afastado do que meu umbigo? Que realmente trouxesse benefício a todos, ao mundo todo?
E a relação de maus feitos a corrigir era imensa: os desentendimentos regionais, as guerras infindáveis, rivalidades bélicas latentes, matanças, genocídios, tiranias, falta de lucidez no diálogo... Aliás, falta de diálogo, mesmo.
E as doenças que afetavam o mundo? A sempre procurada cura do câncer... todo tipo de epidemia viral, as espontâneas e as preparada em laboratórios, como arma de guerra... síndrome de Parkinson... Alzheimer... epilepsias, demências, psicoses... a dupla fumo e álcool...
E as drogas, com seu efeito devastador nas pessoas, na desagregação e destruição de famílias? E o isolamento decorrente?
E a fome... a exclusão de milhares... os crimes contra a vida, roubos, agressões, fraudes, estupros, bullying...
Mas o pior não seria na escala mínima, a da relação entre as pessoas? Incompreensão, intolerância, racismo, indiferença, competição destrutiva, humilhação... desamor, solidão...
Lembrei-me de ter sido grosseiro com minha esposa pela manhã, apenas porque o café estava frio. Mesmo percebendo que ela se aborrecera com minha indelicadeza, fiz um ar ofendidíssimo e saí batendo a porta, para minha reunião super importante... nem me despedi dos filhos. Talvez esse fosse o pior dos males, a micro-guerra impiedosa contra os entes mais próximos, no eco-sistema pessoal de cada um, num raio de poucos metros ao redor de si, entre as pessoas mais queridas... feridas por pouco, por nada, pura arrogância, teimosia, mentira, indiferença.
É, a espécie humana fizera um péssimo trabalho. E eu, percebo agora, simplesmente, não sabia que pedido formular... Senti uma repentina angústia: na minha fantasia, estava com o poder de resolver os problemas do mundo, mas não sabia como formular a solução. Não sabia o que pedir.
E por outro lado, seria possível ter sido eu escolhido, entre milhões de pessoas, para formalizar - e receber – o pedido extraordinário, que consertaria o mundo todo? Por que eu? Bem, por que não eu, como qualquer outra pessoa? Estaria sonhando?
Nossa, sete e meia da noite! Estava escuro, nem vi o tempo passar. Resolvi conversar com o homem, esclarecer qual a intenção por trás da sua abordagem matinal, se era brincadeira – enquanto descia, podia até pensar em algo para pedir, não chegar de mãos abanando, por via das dúvidas.
Desliguei o microcomputador, peguei o paletó no encosto da cadeira, a pasta ao lado da mesa, passei na janela, para ver mais uma vez a praça.
Ele não estava mais lá!
---- > (Para ouvir a música, clique este link: Peça; darei - a música)
Senti um aperto. Senti uma sensação estranha, negativa mesmo, como se tivesse perdido uma coisa grande , importante, preciosa. E se fosse verdade? Se tivesse sido dada a mim a oportunidade de formular um pedido, e por mágica, ou por desígnio divino, ou por que o homem era um enviado em missão iluminada, ou... E então o pedido fosse realmente processado, a graça concedida, a solução materializada, a prece atendida, o mundo resolvido, funcionando em beneficio de todos, como concebido em sua Concepção Original...
Ou, se assim não fosse, pelo menos se funcionasse melhor, em atendimento a todos seus habitantes, em tudo iguais, homens, animais, plantas, insetos... Por um instante, tudo em minhas mãos, e eu, enrolando o dia inteiro, descrendo desde o primeiro momento... e quando comecei a considerar o assunto, caiu-me com peso minha incompetência em servir aos outros, minha alienação do contexto ruim que se processa a vida moderna, minha incapacidade de pedir algo que não fosse para vantagem de mim mesmo...
Sai correndo do prédio, atravessei a rua, fui até o meio da praça, parei embaixo da árvore, olhei em volta, nada.
Nada, além de um estranho sentimento de culpa, de uma sombria vergonha de minha pequenez.
... nada.
O que você pediria, na sua vez?
FIM
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